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Pessoa jurídica, nacional ou estrangeira, pode ser titular de Eireli
Desde o advento da Lei 12.441/11[1], que introduziu a Empresa Individual de Responsabilidade Limitada (Eireli) no ordenamento jurídico brasileiro, uma das polêmicas mais relevantes acerca desse novo tipo societário diz respeito à possibilidade, ou nã
Desde o advento da Lei 12.441/11[1], que introduziu a Empresa Individual de Responsabilidade Limitada (Eireli) no ordenamento jurídico brasileiro, uma das polêmicas mais relevantes acerca desse novo tipo societário diz respeito à possibilidade, ou não, de pessoa jurídica ser sua titular.
O artigo 980-A, caput, do Código Civil[2], dispõe expressamente que a Eireli “será constituída por uma única pessoa titular da totalidade do capital social”, não prevendo o aludido diploma legal qualquer distinção quanto ao seu titular. Da leitura do referido dispositivo deduz-se que qualquer pessoa dotada de personalidade jurídica poderá ser titular dessa nova modalidade societária, não havendo qualquer restrição quanto à titularidade da Eireli.
Com o intuito de regular as alterações trazidas pela Lei 12.441/11, em 22 de dezembro de 2011, o antigo Departamento Nacional de Registro do Comércio (DNRC), atual Departamento de Registro Empresarial e Integração (Drei), publicou a Instrução Normativa 117 (IN 117/11)[3], que aprovou o Manual de Registro de Empresa Individual de Responsabilidade Limitada, o qual traz em seu item 1.2.11 vedação expressa quanto à possibilidade de pessoa jurídica ser titular de Eireli[4].
Contudo, logo após a publicação da IN 117/11, o Poder Judiciário passou a ser provocado quando diversas empresas começaram a ter seus pedidos de registro negados pelas juntas comerciais de todo o país quando o objetivo era que uma pessoa jurídica figurasse como titular de Eireli. Diante da óbvia desarmonia existente entre a IN 117/11 e a Lei 12.441/11, houve uma considerável divisão de opiniões entre juristas e operadores do Direito sobre o tema, além da notável insegurança jurídica para investidores que almejam reorganizar seus complexos conglomerados societários diante da estrutura simplificada e menos onerosa da Eireli e, principalmente, estrangeiros que desejam investir capital no Brasil.
O primeiro parecer oficial ocorreu em 2012, por meio de liminar concedida pela juíza Gisele Guida de Faria[5], da 9ª Vara da Fazenda Pública do Estado do Rio de Janeiro, que garantiu a uma empresa norte-americana a continuidade do processo de transformação da sua até então sociedade limitada em Eireli. Na decisão, a magistrada entendeu que a IN 117/11 trouxe para a sociedade uma restrição não prevista na Lei 12.441/11, pois “do princípio constitucional da legalidade a máxima de que ‘ninguém é obrigado a fazer, ou deixar de fazer algo, senão em virtude de lei’, não cabia ao DNRC normatizar a matéria inserindo proibição não prevista na lei”.
Em outro julgado proferido pelo juiz José Carlos Motta[6], da 19ª Vara Federal de São Paulo, foi concedida liminar a uma sociedade limitada que teve o seu pedido de registro de alteração de contrato social para a sua transformação em Eireli negado pela Junta Comercial do Estado de São Paulo (Jucesp), sob o fundamento de que pessoas jurídicas não poderiam ser titulares de Eireli. Nesse caso, o magistrado entendeu que o DNRC “extrapolou a sua função regulamentar ao impor restrição que a lei não previu, ferindo, desta forma, o princípio da legalidade” e, ao final, de maneira oportuna e salutar, concedeu a segurança à impetrante, determinado à Jucesp o arquivamento do registro de transformação.
O juiz José Henrique Prescendo[7], da 22ª Vara Federal de São Paulo, autorizou o registro de transformação de uma sociedade para Eireli, diante da negativa da Jucesp em proceder com o registro requerido administrativamente, sob o fundamento do titular se tratar de pessoa jurídica. Enfatizou o magistrado bandeirante que, “notadamente, a instrução normativa somente se presta a regulamentar a lei ordinária hierarquicamente superior, não podendo inovar no ordenamento jurídico e estabelecer restrições não previstas em lei, sob pena de ofensa ao princípio constitucional da legalidade”.
Por outro lado, o Enunciado 468 da V Jornada de Direito Civil do Conselho da Justiça Federal[8] foi favorável ao posicionamento do Drei quando entendeu pela delimitação da titularidade da Eireli apenas às pessoas naturais, in verbis, “a empresa individual de responsabilidade limitada só poderá ser constituída por pessoa natural”. O jurista Gladston Mamede[9] igualmente entendeu que, “apesar das dúvidas que surgiram em face da interpretação literal do dispositivo, a interpretação sistemática, bem como a mens legislatoris (a intenção do legislador) atestam que a figura foi criada para albergar a titularidade do capital por pessoa natural exclusivamente”.
O Drei é órgão vinculado ao Ministério do Desenvolvimento da Indústria e Comércio Exterior, não competindo àquele restringir ou alterar qualquer norma legal. Nessa linha, o artigo 87, parágrafo único, inciso II da Constituição Federal[10] é cristalino quando determina que o ministro de Estado deverá emitir orientações apenas para a execução correta das leis, competindo ao Poder Judiciário a função de aplicação e interpretação das leis.
Finalmente, em consequência da indubitável ilegalidade contida no item 1.2.11 do Manual de Registro de Empresa Individual de Responsabilidade Limitada, editado pela IN 117/11, em 3 de março de 2017, o Drei finalmente reconsiderou a sua posição ao revisar o referido manual através da publicação da Instrução Normativa 38/17 (IN 38/17)[11], reconhecendo e prevendo expressamente no item 1.2.5[12] do novo manual a possibilidade de pessoa jurídica, nacional ou estrangeira, ser titular de Eireli.
A concordância expressa do Drei, mesmo que tardia, trará benefícios e avanços relevantes para a sociedade, sobretudo para o empresariado brasileiro, pois acarretará a padronização e agilidade aos procedimentos adotados pelas juntas comerciais, além de corrigir um vício de ilegalidade constante na IN 117/11 que impedia a constituição de Eireli por pessoa jurídica, em total afronta ao disposto na Lei 12.441/11 e, em consequência, ao artigo 980-A do Código Civil.
Feitas as considerações acima, não há dúvidas de que a mens legislatori foi de ampliar o leque para a utilização da Eireli a todas as pessoas, inclusive as pessoas jurídicas estrangeiras, não existindo qualquer óbice legal a essa possibilidade. Basta verificar o processo legislativo que deu origem à Lei 12.441/11. A palavra “natural” foi excluída do caput do artigo 980-A do texto legal logo após a palavra “pessoa”, para que, dessa forma, a Eireli pudesse atender aos anseios da sociedade contemporânea, possibilitando, assim, a sua constituição também por pessoa jurídica.
Importante ainda destacar que, ao interpretarmos literalmente a lei, nos deparamos com o fato de que não há qualquer vedação legal ou administrativa quanto à possibilidade de pessoa jurídica nacional ou estrangeira figurar como titular ~em mais de uma Eireli. O próprio novo Manual de Registro de Empresa Individual de Responsabilidade Limitada não trata do assunto. É fato que existe vedação expressa nesse sentido apenas no que diz respeito às pessoas naturais, já que o artigo 980-A, parágrafo 2° do Código Civil[13] proíbe explicitamente tal cenário. Assim, o que não é proibido por lei é permitindo, abrindo, portanto, caminho para que uma pessoa jurídica seja titular de uma ou mais Eireli. Nesse caso, devemos aguardar a posição das juntas comerciais a partir da entrada em vigor da IN 38/17, momento em que pessoas jurídicas, nacionais ou estrangeiras, poderão ingressar com pedidos de registro para a constituição de apenas uma Eireli ou mais.
Por fim, não obstante a necessária revisão do Manual de Registro de Empresa Individual de Responsabilidade Limitada, essa nova espécie de pessoa jurídica ainda carece de sedimentação diante das omissões constantes na própria Lei 12.441/11 e nas orientações expedidas pelo Drei, inclusive no que diz respeito às operações de incorporação de sociedades envolvendo a Eireli. Cabe, portanto, à doutrina e aos operadores do Direito a importante missão de responder a essas demandas, as quais, certamente, ainda serão objeto de muitos debates.
O novo Manual de Registro de Empresa Individual de Responsabilidade Limitada entrará em vigor em todo o território nacional a partir do dia 2 de maio de 2017.
[1] Lei 12.441/2011. Altera a Lei 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil), para permitir a constituição de empresa individual de responsabilidade limitada. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2011/lei/l12441.htm. Acesso em 11.abr.2017.
[2] Código Civil. Art. 980-A. A empresa individual de responsabilidade limitada será constituída por uma única pessoa titular da totalidade do capital social, devidamente integralizado, que não será inferior a 100 (cem) vezes o maior salário-mínimo vigente no País. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/L10406.htm. Acesso em 11.abr.2017.
[3] DEPARTAMENTO DE REGISTRO EMPRESARIAL E INTEGRAÇÃO (DREI). IN 117/11. http://www.drei.smpe.gov.br/legislacao/instrucoes-normativas/titulo-menu/pasta-instrucoes-normativas-em-vigor-02-1/in-117.pdf/view. Acesso em 11.abr.2017.
[4] DEPARTAMENTO DE REGISTRO EMPRESARIAL E INTEGRAÇÃO (DREI). Manual de Registro de Empresa Individual de Responsabilidade Limitada. Item 1.2.11: Não pode ser titular da EIRELI a pessoa jurídica. Disponível em: http://drei.smpe.gov.br/legislacao/instrucoes-normativas/titulo-menu/pasta-instrucoes-normativas-revogadas-03/in-117.pdf. Acesso em 11.abr.2017.
[5] TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO (TJ-RJ). Mandado de Segurança 0054566-71.2012.8.19.0001. Disponível em: http://www4.tjrj.jus.br/consultaProcessoWebV2/consultaMov.do?v=2&numProcesso=2012.001.043358-9&acessoIP=internet&tipoUsuario. Acesso em 11.abr.2017.
[6] JUSTIÇA FEDERAL DE SÃO PAULO (JFSP). Mandado de Segurança 0014472-29.2014.4.03.6100. Disponível em: http://s.conjur.com.br/dl/codigo-civil-nao-proibe-pessoa-juridica.pdf. Acesso em 11.abr.2017.
[7] JUSTIÇA FEDERAL DE SÃO PAULO (JFSP). Mandado de Segurança 0017439-47.2014.4.03.6100. Disponível em: http://www.migalhas.com.br/arquivos/2014/12/art20141202-01.pdf Acesso em 11.abr.2017.
[8] CONSELHO DA JUSTIÇA FEDERAL. V Jornada de Direito Civil. Enunciado 468. Disponível em: http://www.cjf.jus.br/enunciados/enunciado/451. Acesso em 11 abr. 2017.
[9] MAMEDE, Gladstone. Manual de Direito Empresarial. São Paulo: Atlas, 2013. p. 23.
[10] Constituição Federal, 1988. Art. 87. Os Ministros de Estado serão escolhidos dentre brasileiros maiores de vinte e um anos e no exercício dos direitos políticos. Parágrafo único. Compete ao Ministro de Estado, além de outras atribuições estabelecidas nesta Constituição e na lei: II - expedir instruções para a execução das leis, decretos e regulamentos. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm. Acesso em 20.mar.2017.
[11] DEPARTAMENTO DE REGISTRO EMPRESARIAL E INTEGRAÇÃO (DREI). IN 38/17. Disponível em: http://drei.smpe.gov.br/legislacao/instrucoes-normativas/titulo-menu/pasta-vacatio/38-instrucao-normativa-drei-no-38-altera-os-manuais.pdf/view. Acesso em 11.abr.2017.
[12] DEPARTAMENTO DE REGISTRO EMPRESARIAL E INTEGRAÇÃO (DREI). Manual de Registro de Empresa Individual de Responsabilidade Limitada. Item 1.2.7: Poderá ser titular de EIRELI, desde que não haja impedimento legal: c) pessoa jurídica nacional ou estrangeira. Disponível em: http://drei.smpe.gov.br/legislacao/instrucoes-normativas/titulo-menu/pasta-vacatio/anexo-v-manual-de-registro-eireli.pdf. Acesso em 11.abr.2017.
[13] Código Civil. Art. 980-A, § 2°. A pessoa natural que constituir empresa individual de responsabilidade limitada somente poderá figurar em uma única empresa dessa modalidade. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/L10406.htm. Acesso em 11.abr.2017.